15.5.10

Conversa

Eu não posso cuidar de você. Eu já não tenho vida. Já não sei o que é viver ou se alguma vez o soube. Parece que estou sempre dormindo, que tudo o que me passa é irreal. Mas eu não acordo. Espero acordar, mas não acordo, nunca. E a cada novo dia é pior. Eu continuo dormindo. É como se eu jamais tivesse mesmo tido vida.
Me arrependo de não ter aproveitado muitos momentos. Porque eu me sinto sempre morta. Sinto que vivo em um mundo aparte de tudo. Eu gostaria de estar presente. Eu nunca estive presente. Deixo que os dias passem por mim, eu nunca passo pelos dias. É tão típico de mim! Sempre faço a mesma coisa. Nunca vivo nada, estou sempre esperando algo mais. Estou sempre contando dias, pensando no futuro que não terei ou no passado que não tive. O presente não existe pra mim.
Eu prefiro sofrer a vida do que vivê-la. Sempre é assim. Porque eu não existo. Eu só existo quando estou sangrando, quando estou me desfazendo em lágrimas, aí eu existo. Existo porque quero morrer. Se não quero morrer, não existo. Se não sinto dor, não existo. É tudo tão superficial que não é vida. É uma viagem, é um show, é um filme, não é vida. É algo que está acontecendo, não algo que estou vivendo, você entende? E eu não posso mudar isso. Porque não sei como e ao mesmo tempo não quero. Porque não suporto não sentir dor. É melhor do que não sentir nada.

10.5.10

Madrugada

Eu não entendo como você consegue dormir. Como todos conseguem dormir. Eu escuto o barulho da chuva, os ponteiros do relógio se arrastando. Eu me distraio com o medo. As minhas noites são parte de uma rotina que aparece quando o sol se esconde. Cada vez que me deito peço a mesma coisa: peço que não seja dia, que pra essa alma não exista amanhã. Então eu me lembro de que vivo exposta a perigos, e me pergunto se não seria o destino quem me protege deles. Porque eu penso em liberdade, penso no ar. Em voar no ar. O meu fim é o céu, é a eternidade.

4.5.10

Maquinalmente

Percebi que deixei de usar quase todas as minhas roupas, principalmente aquelas coloridas. Não combinam mais comigo, me fazem sentir estranha. Também os perfumes, dos quais gostava tanto, eu não uso mais. Percebi que não vejo mais televisão e são raros os livros que leio, os textos que escrevo. Um vício que fiz virar obrigação, só pra não perder o hábito. Percebi que durmo menos de quatro horas por noite, mas que o sono me faz falta. Pela primeira vez na vida acordei às quatro da tarde e me assustei. Percebi que peguei a mania de doar tudo o que tenho, a ponto de sentir falta do que, por impulso, tirei do armário. Percebi que não tenho mais aquele amor enorme por tantas coisas, que antes eram tão importantes. Já não me brilham os olhos, estou ligando pra tudo muito pouco. Percebi que estou cansando de tudo muito rápido. E querendo fazer tudo muito rápido também. Percebi que não sou tão inteligente e simpática como pensava. Que, na verdade, sou muito menos do pouco que via em mim. Via, porque agora não vejo nada. E, com dor, percebi que o que antes me fazia feliz, hoje não existe mais. Extinguiu-se, evaporou. Como evapora a água, como evapora a alma.