5.5.08

Não é nada, só isso

Ela me perguntou, naquele dia de meias palavras, o que tinha acontecido. E eu respondi que nada, que estava tudo certo. Ela não acreditou, simplesmente porque eu parecia seca, fria, quase indiferente. E eu realmente estava...
Não, não houve nada, e mesmo que tivesse havido. Eu nunca tenho nada, nunca sinto nada, nunca nada é o motivo. Eu só estava distante, como alguém que mora em Amsterdã, ou talvez como alguém enterrado há alguns anos. Eu só não estava ali, mas não faço idéia do porquê. A razão é sempre desconhecida, é sempre qualquer coisa. Eu não tinha nada.
Era um dia normal, uma quinta-feira talvez, não me recordo bem, e eu estava gastando com monossílabas o meu tempo de ócio. Ela me acompanhava, era certo, mas não o fazia de fato. Estava ali somente e também gastava tempo, porque eu não pedia pela companhia dela, mesmo que a desejasse com todas as minhas forças. Eu nunca o disse, ela morreria sem sabê-lo. Mas eu queria, sim, sua companhia. Não queria trocar palavras porque não era o meu dia, queria simplesmente ficar calada, ao lado dela. Porque, naquele dia em que eu não tinha nada, bastava o silêncio da presença dela, somente dela, para que eu estivesse bem. Não, eu realmente não tinha nada, e talvez ela nunca o tenha entendido, mas às vezes a alma é assim, confusa; às vezes somos atingidos e empurrados pra baixo por uma força escura, triste, desconhecida. Não entendo, não, mas queria que ela entendesse. Realmente queria, mesmo que não conseguisse me explicar.
E agora estou assim, sem saber o que eu tenho, ou não. Agora todas as nossas conversas são nulas e em mim, as lembranças de risos de outrora. Eu estou aqui, parada como uma rocha, e de todas as formas tento chamar a atenção dela; mas as minhas formas são travadas, comprimidas, não são as formas dela. E teria ela alguma forma?
O que eu queria fazer eu não faço, não sei porquê. E o que ela devia fazer tampouco o faz. E não fazemos, as duas juntas, nada. Não fazemos e queremos, não fazemos e morremos por dentro. Não fazemos e só.