10.3.09

Cheiro de chuva

Já é noite. O céu está escuro, de um cinza quase mórbido, e um vento gelado como há muito eu não sentia tenta invadir esse quarto, quase sem sucesso. Eu queria ser invadida por ele, queria que ele invadisse a mim, e não a um cômodo totalmente sem vida.
Não que eu tenha realmente mais vida do que qualquer cômodo, mas talvez, com a presença desse vento um pouco mais frio, eu possa sentir a temperatura quase quente do meu corpo. Calor que indica vida, a vida que eu queria ter a coragem de possuir.
Não é verdadeiramente um fato a estranha hipótese de procurar pela morte, porque tenho uma ponta de dúvida, dentro de todas as minhas certezas, de que não é isso que eu realmente quero. E, apesar de saber que os meus desejos podem mesmo me matar, eu somente tento segui-los à risca, porque às vezes, quase sempre, eu não tenho tanta força pra me deixar levar.
Parece besteira que deixar-se levar exija mais força do que correr com as próprias pernas, mas não é bem assim. Tente deixar-se levar pelo que você mais quer... Isso assusta um pouco se o seu querer não é muito saudável.
Eu quero viver, eu juro que sim. Eu quero conseguir, eu quero poder lutar. E a falta de vias expressas, planos de vôo ou simplesmente caminhos é só uma parte do que transtorna minha mente; e alguma coisa dentro de mim me faz querer expulsar algumas lágrimas só para me ocupar com alguma coisa, ter alguma distração enquanto o céu escurece mais e mais. É quase como um parque de diversões, como se eu fosse uma criança com medo da montanha-russa, mesmo depois de já ter andado nela vezes suficientes pra sentir o motivo de sua hegemonia sobre o resto dos brinquedos.
Ainda assim eu não entendo porque não posso brincar só no carrossel, e cada vez mais a minha respiração vai me mantendo impaciente, como se fosse ela a senhora ampuleta do rei do universo, o senhor tempo.
O vento tem cheiro de chuva. Esse cheiro que, de alguma maneira surreal, consegue me trazer um pouco de esperanças. Esse cheiro que quase me acalma.